sábado, 21 de março de 2015

Os Primeiros Discípulos



Os Primeiros Discípulos

No dia seguinte João estava outra vez ali, com dois dos seus discípulos 1.35

1:35-42      Texto da nossa segunda lição do trimestre. Esta seção nos fornece uma explicação de como Jesus obteve seus primeiros discípulos; e por meio dela aprendemos que os discípulos originais foram selecionados dentre o círculo dos discípulos de João Batista. Nos evangelhos sinópticos (ver Mc 1:16-20 e Mt 4:18-22), somos informados acerca de dois irmãos que a certo instante foram chamados à beira do mar da Galiléia, quando se ocupavam de seus misteres da pesca, a fim de que seguissem ao Senhor Jesus, apelo esse a que obedeceram imediatamente. Essa obediência sem discussões, mui provavelmente, não foi motivada por aquele primeiro e breve contato com Jesus, que antes ser-lhes-ia um completo estranho; pois é muito provável que esta narrativa do evangelho de João seja um incidente que antecede à narrativa dada pelos evangelhos sinópticos; e isso sem dúvida evidencia o fato de que aqueles primeiros discípulos já tinham algum conhecimento pessoal com Jesus, e isso por meio de João Batista, que teria servido de intermediário. A tradição utilizada por Marcos indica o fato de que os quatro primeiros discípulos, convocados para o discipulado de Jesus, foram os quatro pescadores de nome André (o primeiro de todos os discípulos), Pedro, que era seu irmão, e, em seguida, Tiago e João, estes últimos filhos de Zebedeu. O vs. 35 deste capítulo menciona dois discípulos. O vs. 40 deste mesmo capítulo dá o nome de um deles—André—, e, em seguida revela-nos que ele saiu à procura de seu irmão, Pedro; e isso significa que o outro discípulo do vs. 35. cujo nome não nos é fornecido, não era Pedro. O capítulo deixa sem identificação esse discípulo cujo nome não é dado, mas, confrontando a narrativa joanina com a dos evangelhos sinópticos, podemos concluir que esse discípulo era João, o qual, subsequentemente, e a exemplo do que já fizera André, saiu à procura de seu irmão, Tiago. O mais provável, por conseguinte, é que os dois discípulos originais tivessem sido André e João, os quais, sem tardança trouxeram a Jesus os seus respectivos irmãos, Pedro e Tiago. Esses quatro, pois, formaram o núcleo original de discípulos, tendo sido, anteriormente, seguidores de João Batista.

É de estranhar que, apesar de Tiago e João desempenharem tão importante papel, segundo a narrativa dos evangelhos sinópticos, —jamais sejam mencionados neste quarto evangelho senão já no trecho de João 21:2 (de forma definida), e que jamais se leia qualquer alusão a Salomé, mãe de ambos. Alguns estudiosos têm sugerido que a proeminência que lhes é conferida nos evangelhos sinópticos foi abafada neste quarto evangelho em face do fato de João ter sido o seu autor, o qual teria agido dessa maneira por modéstia. Mas outros sugerem que isso foi feito propositalmente pelo autor deste quarto evangelho, que na realidade não teria sido o apóstolo João, como artifício sutil, para sugerir que João foi o seu autor.

A comparação desta narrativa sobre a chamada dos discípulos originais de Jesus com a tradição dos evangelhos sinópticos é suficiente para convencer-nos, ainda mais, que os sinópticos não figuraram entre as fontes informativas utilizadas pelo autor do evangelho de João, e que, quando aparecem materiais de natureza similar, isso patenteia o fato de que tanto os evangelhos sinópticos como o evangelho de João se fundamentaram em fontes informativas similares, embora distintas. Menos de dez por cento do material do evangelho de João aparece nos evangelhos sinópticos, e isso serve de prova do fato de que João não lançou mão destes últimos, porquanto é impossível pensarmos que, se ele tivesse contado com os mesmos como fontes informativas, não haveria se utilizado deles em maior escala. Além disso, o autor do quarto evangelho expõe a vida e o ministério de Jesus de maneira tão diferente do que fazem os evangelhos sinópticos, em tantas questões diversas.

Diversas indicações de tempo são fornecidas neste primeiro capítulo. Os vss. 29-34 descrevem acontecimentos ocorridos no dia seguinte ao do anúncio feito em Betânia. Os vss. 35-42 descrevem o dia seguinte, ou seja, o terceiro dia (segundo o cômputo judaico) após o anúncio feito em Betânia, acerca do caráter messiânico de Jesus (ver o vs. 29). E os vss. 43-51 cobrem os acontecimentos de um quarto dia após aquele.

«A convocação dos primeiros discípulos de Jesus, vss. 35-52. Os humildes começos de poderosos resultados. O berço da igreja cristã. Essa chamada na Judéia, às margens do rio Jordão, foi meramente uma oportunidade preliminar de familiaridade, que João supriu à base de sua experiência pessoal, ao passo que a chamada final, ao discipulado permanente, conforme é narrada pelos evangelhos sinópticos, teve lugar em data posterior, na Galiléia». (Philip Schaff, no Lange's Commentary).

1:36    e, olhando para Jesus, que passava, disse: Eis o Cordeiro de Deus!

Este versículo é uma repetição do vs. 29 VEJA AQUI. Os comentadores supõem que João Batista, e Jesus, após a declaração do primeiro acerca do caráter messiânico de Jesus, chegaram a uma espécie de acordo quanto à orientação que imprimiriam aos seus ministérios complementares, embora distintos. E asseveram que mui provavelmente esse acordo incluiria a questão da transferência de discípulos de João para Jesus, de tal modo que o ministério messiânico em Israel pudesse ter o seu começo. «Eis o Cordeiro de Deus. Essa breve repetição daquela maravilhosa proclamação, em termos idênticos e sem qualquer palavra adicional, teria por intuito servir de gentil impulso para que os discípulos seguissem a Cristo fixando a luz sob a qual deveria considerá-lo. E isso surtiu os efeitos desejados, conforme passamos a ouvir (nos versículos seguintes)». (Brown, in loc.). «...a repetição da declaração serve, neste caso, de sinal para os discípulos passarem a seguir a Jesus». (Alford, in loc.).

1:37    Aqueles dois discípulos ouviram-no dizer isto, e seguiram a Jesus
1:38    Voltando-se Jesus e vendo que o seguiam, perguntou-lhes: que buscais? Disseram-lhe eles: Rabi (que, traduzido, quer dizer Mestre), onde pousas?

«...os dois...seguiram a Jesus...». Esse seguir ao Senhor Jesus provavelmente foi feito pelos discípulos em profunda reverência e na expectativa de grandes coisas. O pensamento do discipulado estava em suas mentes, mas a chamada real (em senso um tanto formal) teve lugar mais tarde, na Galiléia; e é justamente essa chamada final que é registrada pelos evangelhos sinópticos. Por conseguinte, este seguir a Jesus até onde ele assistia não equivaleu ao «deixá-lo simplesmente a um seguir mecânico após Cristo, conforme Alford sugeriu.

«...seguiram...» Bengel observa sobre esta informação: «Aqui encontramos a origem da igreja cristã». E Adam Clarke (in loc.) observa: «E eles compreenderam perfeitamente o que tencionava o seu mestre; e, em consequência disso, puseram-se a seguir a Jesus. Felizes são aqueles que, ao ouvirem sobre a salvação que há em Cristo, imediatamente se apegam ao seu autor!»

«...Que buscais?...». Jesus abriu o caminho para se tornarem conhecidos, porque, mui provavelmente, seguiam-no de forma um tanto tímida e nervosa. Essas são as primeiras palavras a brotar dos lábios de Jesus, de acordo com o evangelho de João, e tinham por intenção facilitar a amizade e o entabulamento de relações que se seguiu por mais três anos, amizade essa que se foi aprofundando em todos os aspectos, e que, apesar de ter recebido o golpe cruel da crucificação do Mestre, no entanto floresceu novamente, embora em plano muito mais elevado, quando Jesus, já conquistador da morte, voltou a eles.

«...Rabi...onde assistes?...». A réplica dada pelos discípulos saiu nervosa, porquanto tinham consciência de estarem diante de uma augusta figura, um personagem profético, destinado a cumprir um gigantesco ministério, embora não pudessem, por enquanto, nem ao menos imaginar a sua magnitude. Não obstante, não tinham passado a seguir a Jesus na ignorância completa, pois João proferira elevadíssimas palavras acerca dele, e a sua missão messiânica já fora anunciada por ele. Por essas razões é que escolheram o vocábulo mais elevado que puderam encontrar—«Rabi»—que nos é esclarecido pelo termo grego aqui traduzido por «Mestre». No entanto, a tradução fica muito aquém do que estava implicado no termo «rabi». Sabemos que não fazia muito tempo que esse vocábulo tinha entrado em uso, provavelmente tendo sido originado quando das rivalidades entre as escolas de Hilel e de Shamai, porquanto os seguidores de um e de outro ansiavam por exaltar os seus respectivos líderes, em contraste com outros líderes; e assim em certo sentido, tais seguidores justificavam as características e distintivas crenças de suas seitas, posto que, mediante o emprego de tal título, os seus líderes seriam vistos como ocupantes de exaltados ofícios.

Hilel (30 A.C.) era reverenciado por sua profunda erudição e por sua santidade inspiradora, misturada com o amor que demonstrava possuir por seus semelhantes e com o seu espírito de humildade. Muitas lendas se desenvolveram em torno de sua pessoa, conforme sempre acontece no caso das vidas de indivíduos notoriamente grandes. Uma dessas histórias diz-nos que uma delegação de gentios lhe foi enviada, para que ele desse uma concisa declaração da essência do judaísmo, que pudesse proferir enquanto estivesse equilibrado apenas numa das pernas. A sua resposta foi: «O que te é odioso, não o faças aos teus semelhantes: Nisso consiste toda a lei; o resto é mero comentário». (Shab. 31a).

O originador da escola teológica rival do judaísmo foi Shamai, homem igual e extraordinariamente reverenciado por motivo de seu conhecimento e piedade. Ordinariamente, a escola de Hilel era paciente e mais liberal em sua interpretação da lei, ao passo que a escola de Shamai era inflexivelmente severa. No primeiro século da era cristã floresciam essas duas escolas, e faziam constante oposição uma à outra. Mas as opiniões de Hilel gradualmente foram obtendo aceitação popular.

Foi à base desse contexto que se originou o costume de dirigir-se alguém a outrem pelo título de rabi (já esclarecido para facilitar o Pr Antonio Carlos, dicionarista da Continental.). O termo significa Minha grandeza, «Minha majestade» ou «Meu Honroso Senhor». Deriva-se da raiz hebraica que significa grande, e passou a ser comumente usado pelos judeus, ao se dirigirem aos seus professores. E gradualmente o seu sentido, em muitos casos, passou a ser mero sinônimo de «mestre», sem indicar, necessariamente, qualquer grande atribuição de honra a um indivíduo qualquer.

Também foi nesse costume que teve início a prática de atribuir elevados títulos aos eclesiásticos, prática essa que foi severamente condenada pelo Senhor Jesus conforme lemos em Mt 23:7-12. Essa condenação, por si mesma, serve para mostrar que tal apelativo não significa simplesmente mestre, porquanto chamar alguém de mestre certamente não é demonstração de que está sendo exaltado; mas o que Jesus condenava era justamente o elemento de orgulho, que transparecia no uso de tal termo. Todavia, a despeitadas claríssimas reprimendas de Jesus contra essa prática, ela permanece muito popular na igreja cristã, apenas com o reparo que tal pronome de tratamento foi substituído por títulos como «padre», «reverendo», «doutor», e outros pronomes de tratamento. Não obstante, esse vocábulo pode ser corretamente usado com respeito à pessoa de Cristo, e podemos reter a sua mais ampla significação, porquanto foi empregada por aqueles discípulos originais do «Mestre» para expressarem a sua elevada estima e consideração, embora, por enquanto, o conhecimento que tinham dele ainda não fosse muito grande.

1:39    Respondeu-lhes: Vinde, e vereis. Foram, pois, e viram onde pousava; e passaram o dia com ele; era cerca da hora décima.

«Vinde e vede...». Não teria sido de conformidade com os costumes orientais se os discípulos se tivessem convidado a si mesmos para visitar a casa onde Jesus morava, sem algum convite prévio, e certamente isso teria demonstrado grande falta de educação, especialmente no caso de quase totais estranhos, conforme vemos aqui. Assim sendo, devemos compreender a inquirição dos discípulos meramente como exibição de interesse em descobrir onde Jesus morava, a fim de que, em data posterior, pudessem estabelecer alguma forma de contato e relação com ele. Mas Jesus facilitou-lhes as coisas, tornando mais difícil algum embaraço, ao fazer-lhes imediatamente o convite de irem visitá-lo. Nas palavras vinde e vede, alguns estudiosos veem uma alusão à fórmula rabínica que era proferida, como desafio, a futuros discípulos e aprendizes, para que vissem a validade da doutrina e a correção da vida que advogavam em seus ensinamentos. Essa fórmula requeria que cada um se convencesse pessoalmente, mediante a observação e a prática, da validade dos ensinamentos oferecidos. Contudo, é nos impossível saber se Jesus tinha em vista qualquer coisa tão profunda como essa, com palavras tão simples; mas, pelo menos, o resultado final certamente esteve de conformidade com tal desafio. Isso foi o começo da convicção deles, e, realmente, o começo da convicção de muitos milhões de pessoas, acerca da validade das palavras e ensinamentos de Jesus, bem como do valor da vida que resulta da obediência a essas palavras.

Muitos pregadores têm intitulado suas mensagens de «Vinde e vede», passando a anunciar uma apologética do cristianismo, que tem suas raízes na convicção pessoal sobre a veracidade da mensagem, mediante a prática dos preceitos cristãos. Ao assim fazerem, talvez muito inconscientemente, tais pregadores têm repetido o desafio lançado pelos antigos rabinos, para que os possíveis discípulos pusessem à prova a verdade religiosa mediante o exame e a prática pessoais. «A experiência pessoal é o melhor teste para comprovação da veracidade do cristianismo, o qual, tal como o sol no firmamento, só pode ser visto em sua própria luz. Acredito que foi Pascal que disse que as coisas humanas precisam ser conhecidas para que sejam amadas, mas que as coisas divinas devem ser primeiramente amadas, antes de poderem ser conhecidas». (Philip Schaff, no Lange’s Commentary, in loc.).

«...ficaram com ele aquele dia...». Os comentadores não concordam quanto à ocasião em foco, nesta expressão, porquanto alguns acreditam que o evangelho de João segue o cômputo romano de contar o tempo (conforme nós também fazemos, de meia-noite à meia-noite), ao invés do cômputo judaico, que ia de pôr-do-sol ao pôr-do-sol. Se foi seguido o método judaico de computar o tempo, então seria cerca das quatro horas da tarde. Ellicott diz (in loc.): «Seria, conforme diríamos, quatro horas da tarde, porquanto não existem razões suficientes para crermos que o método babilônico de contar as horas, comum tanto em Éfeso como em Jerusalém, não foi usado neste evangelho». A suposição, por detrás dessas palavras de Ellicott, é que esse tenha sido o evangelho efésio (escrito em Éfeso, tendo como fontes informativas a comunidade cristã ali existente. Bruce (in loc.) salienta que se por um lado os romanos calculavam o seu dia civil de meia-noite à meia-noite ( o dia civil, mediante o qual eram datados os contratos e os empréstimos), por outro lado, o cômputo romano ordinário das horas do dia, segundo o uso popular, está em foco aqui, o qual era contado do nascer do sol ao pôr-do-sol. Isso parece ser consubstanciado por diversos descobrimentos de relógios-de-sol romanos, nos quais o meio-dia aparece assinalado como a hora sexta.

Os argumentos que favorecem o método judaico de calcular a passagem das horas, são os seguintes: 1. Os gregos da Ásia Menor, para quem João teria escrito, usavam o cômputo babilônico, também tomado por emprésti­mo pelos judeus (do pôr-do-sol ao pôr-do-sol). 2. Os romanos também se utilizavam desse método mui comumente, juntamente com o cálculo do dia civil, conforme foi explicado mais acima. 3. No trecho de João 4:6, a sexta hora mui mais provavelmente significa o meio-dia do que as seis horas da manhã ou as seis horas da tarde. Em João 4:52, a sétima hora mais provavelmente equivale à primeira hora depois do meio-dia. A passagem de João 11:9 subentende o cômputo babilônico. O trecho de João 19:14, que fala sobre a sexta hora, não pode indicar as seis horas da manhã (embora essa referência talvez não tenha por intenção ser exata em sua designação do horário).

E verdade que os outros evangelhos lançam mão do cômputo judaico de contar as horas, mas isso não prova, necessariamente, que assim também tenha ocorrido neste evangelho de João. Vincent (in loc.) demonstra, com citações de escritos de Aélio Aristides, sofista grego do século II D.C. (dos Discursos Sagrados), bem como dos escritos de Lívio, o historiador romano (IX:37), que o método «judaico» (na realidade, originado na Babilônia) era de uso comum no mundo greco-romano. Outro tanto foi demonstrado por Aristófanes («Ecclesizusai», 648) e por Horácio (lib. 1, VII.69). Embora alguns bons eruditos discordem disso, parece mais acertado aceitar essa multiplicidade de testemunho, afirmando que este quarto evangelho, tal como os outros também, seguiu o cômputo «judaico», e que essa designação, aqui, tem por intuito indicar as quatro horas da tarde. Nenhuma objeção sólida contra isso pode ser levantada à base da expressão que lemos no próprio versículo—«...e ficaram com ele aquele dia...»—porquanto isso não significa, necessariamente, um dia inteiro, mas meramente que ali ficaram pelo resto do dia, das quatro horas da tarde em diante.

1:40: André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram João falar, e que seguiram a Jesus.

«Era André...». Portanto, André foi o primeiro de todos os discípulos de Jesus, e não é mesmo impossível que esta história, pelo menos quanto ao seu esboço e conteúdo gerais, acerca do contato original com Jesus e do começo de seu movimento religioso, tenha tido André como a principal fonte informativa. Essa tradição foi, mui provavelmente, preservada pela comunidade da igreja cristã em Éfeso, e dali é que passou para o evangelho de João. Por qual motivo a comunidade romana não a incluía, pelo que também não figura no evangelho de Marcos, e, subsequentemente, nos demais evangelhos sinópticos, é algo que não sabemos dizer.

André foi um dos doze apóstolos; o seu nome significa varonil. Era filho de Jonas ou «João», e procedia de Betsaida, na Galiléia. (Ver Jo 1:44). Entretanto, mais tarde fora viver com Pedro, em Cafarnaum (ver Mc 1:29), que pode ter sido a cidade onde morava a sogra de Pedro, e para onde este último pode ter-se mudado após o seu casamento. Em Cafarnaum, os dois irmãos se tinham tornado ativos pescadores. (Ver Mt 4:18). André se tornara discípulo de João Batista (ver Jo 1:35-40), e foi partindo desse contato que chegou a conhecer ao Senhor Jesus. Posteriormente, André foi convocado para o completo discipulado (ver Mt 4:18-20; Mc 1:16-18). André geralmente é relembrado por sua fé prática, porquanto saiu em busca de seu irmão e o trouxe a Cristo. A tradição (considerada provável) assevera que ele, afinal, teve de morrer como mártir, na Acaia. Os evangelhos sinópticos pouco falam a respeito dele, e o seu grande serviço consistiu em levar Pedro a Cristo, acerca do que observou William Temple: «Talvez seja tão grande serviço, prestado à Igreja, como qualquer outro jamais realizou». (Extraído de Readings in St. John ’s Gospel, pág. 29). André foi o primeiro missionário nacional (Jo 1:42), e também o primeiro missionário ao estrangeiro (Jo 12:21,22).

«André, que paira nos limiares do círculo mais íntimo dos discípulos, ocasionalmente dentro desse círculo, embora não usualmente, não recebe proeminência na narrativa dos evangelhos. Porém, quando podemos obter alguma visão a respeito dele, ele está sempre fazendo a mesma coisa, isto é, conduzindo outros a Cristo; e, por meio desses outros, em segunda mão, efetuando poderosas coisas para Cristo, pois, não fora ele, nada teriam feito. Pedro era o amigo mais íntimo de nosso Senhor, e foi André que deu a Cristo esse presente especial. Também foi a André que o jovem trouxe, um tanto envergonhado, o seu pequenino pacote de alimentos; e foi André, igualmente, também um tanto envergonhado, que trouxe o jovem e a sua inadequada oferta a Cristo...Foi um obscuro frade dominicano quem primeiro levou João Knox aos pés de Cristo...Assim também, pessoas simples, sem quaisquer dotes particulares, podem fazer coisas maravilhosas para Cristo, por intermédio daqueles a quem influenciam». (Arthur John Gossip, in loc.).

Disciplina e Diligencia

1. O discipulado tem sua origem no fato de que nossos destinos estão vinculados ao de Cristo; portanto, devemos seguir o seu caminho, moral e espiritualmente falando, para que nossas respectivas missões e potenciali­dades sejam cumpridas. (Ver Rm 8:29 e Mt 28:18-20).

2. O discipulado requer a renúncia no presente (ver Mc 8:36 e ss.).

3. O discipulado requer completa dedicação (ver Rm 12:1-2).

4. O discipulado requer o uso dos meios de desenvolvimento espiritual, como a oração (ver Ef 6:18); a meditação que nos capacita a ver a iluminação (ver Ef 1:18); a santificação (ver I Ts 4:3); a prática da lei do amor, que é a comprovação da espiritualidade (ver a I Jo 4:7); a dedicação da mente aos princípios espirituais, através do estudo dos livros sagrados e de outra literatura de valor (ver I Ts 4:13); e o emprego dos dons espirituais (ver I Co 12 e Ef 4:8 e ss.).

1:41    Ele achou primeiro o seu irmão Simão, e disse-lhe: Havemos achado o Messias (que traduzido, quer dizer Cristo).
1:42    E o levou a Jesus, fixando nele o olhar, disse: Tu és Simão, filho de João; tu será chamado Cefas (que quer dizer Pedro)

«...achou primeiro ao seu próprio irmão...» (Quanto à exposição e às implicações desta declaração, ver as notas anteriores, no vs. 40). André é aqui descrito como irmão de Pedro, sem dúvida por causa da distinção mais aviltada de Pedro na narrativa evangélica; mas não parece haver margens para dúvidas de que André exerceu influência tanto sobre Pedro como sobre João, embora leiamos que ele procurou a seu irmão e a ele proclamou confiantemente o caráter messiânico de Jesus. «Ele (André) aparece novamente como mediador e pioneiro, em João 12:22». (Lange, in loc.). Com base no próprio texto sagrado, não podemos determinar quando ocorreu esse levar de Pedro, por parte de André, à presença de Jesus; provavelmente teria acontecido no mesmo dia em que Pedro conheceu a Jesus, embora o mais provável seja que o tenha feito no dia seguinte. Seja como for, notícias tão importantes como aquelas, para os ouvidos judeus, não poderiam ter ficado adormecidas por longo tempo. Alguns intérpretes (como Meyer) supõem que João também agiu da mesma maneira que André, isto é, que não se demorou em trazer a Jesus Cristo o seu próprio irmão, Tiago, embora sobre isso a narrativa dos evangelhos faça o mais total silêncio.

Há uma variante textual aqui, em torno do vocábulo «primeiro». Essa variante é entre protos (nos mss Aleph, L e W, bem como na maioria dos manuscritos gregos posteriores), o que provavelmente indicaria que ele, antes de João, trouxe o seu próprio irmão a Jesus, ficando subentendido que João mais tarde fez outro tanto, trazendo a Jesus o seu irmão, Tiago. Não obstante, o texto mais bem comprovado, é «proton» (nos mss P(66), P(75), BA, Theta, Fam 1, Fam 13 e na maioria das versões latinas). Algumas antigas versões têm traduzido essa palavra como «pela manhã» (assim dizem a versão latina b e o Si(s). Ou talvez isso signifique que André tenha procurado a seu irmão antes de qualquer outra coisa, ficando subentendida a prioridade dessa ação. Mui provavelmente esse é o sentido aqui tencionado. Temos, pois, aqui, o «precedente evangélico». Este ensina-nos que, antes de qualquer outra coisa, é nossa responsabilidade conduzir os homens a Cristo, não de maneira superficial ou «mágica», ensinando-lhes orações e encantando os simplistas, como se essas coisas tivessem o mágico efeito de converter aqueles que os proferem, mas de uma maneira tal que lhes mostre que Cristo é o alvo mesmo de toda a existência humana, e que ele é o caminho de volta para o Pai, e que por intermédio de seu Espírito seremos transformados segundo a imagem de Cristo. E assim daremos aos homens uma melhor compreensão sobre as razões e sobre o destino da existência humana.

«...Messias... que quer dizer Cristo...». Outra tradução, tal como já se vira no vs. 38, o que novamente demonstra que este quarto evangelho foi escrito para alguma comunidade não judaica, provavelmente a igreja cristã de Éfeso.

«...tu serás chamado Cefas...». Outra tradução ainda aparece aqui, a terceira deste capítulo. (Ver as notas referentes ao parágrafo anterior, quanto ao sentido disso. Outras instâncias dessa prática do autor existem, o que mostra que ele escreveu para uma comunidade não-judaica, ver os trechos de João 4:25; 5:2; 9:7; 11:16; 19:13,17 e 20:16). Cefas também é um nome aramaico, apelativo esse que também foi usado por Paulo e Pedro, e que aparece nas epístolas de 1 Coríntios e de Gálatas por nada menos de oito vezes, embora em mais nenhuma outra porção do N.T., sem contar com a deste versículo. «Pedro» significa homem de rocha, e aparece na lista dos doze, no evangelho de Marcos (3:16).

«Além desses também havia Pedro, um dos personagens mais vividamente retratados na literatura; intensamente humano em todas as ocasiões, e digno de afeição até mesmo em seus piores equívocos—e esses foram muitos—tinha como ‘sinal especial, como homem’, a sua estranha inconstância. Era tão repentino e surpreendente, nas ondas de seus sentimentos interiores, como o mar da Galiléia, onde, sem qualquer aviso, os ventos sopram das colinas circundantes e, em um momento, agitam furiosamente o lago; não obstante, quase que no momento seguinte, pode ficar novamente calmo como a morte. Ora, Cristo olhou para ele e disse com toda a confiança: ‘Serás um homem forte como uma rocha, sobre o qual poderei edificar a minha igreja’. À primeira vista não parecia assim, e muito demorou para que ele nisso se tornasse. E houve nesse ínterim dolorosos desvios. Mas, finalmente, assim aconteceu. As possibilidades que somente Cristo percebeu no homem estavam presentes, e se transformaram em um fato. E Cristo prometeu que podemos desenvolver-nos segundo a sua própria imagem. Tudo ainda nos parece muito distante; e talvez nos pareça tão impossível como sempre. Não obstante, no dizer de Paulo, nenhum dos que confiam em Cristo jamais será desapontado. (Ver Rm 10:11, tradução de Moffatt). Se Cristo assim declarou, certamente pode realizá-lo, e assim fará. E assim, um dia, tudo será uma realidade, e o sonho se materializará». (Arthur John Gossip, in loc.).
Há certa variante textual em torno do nome do pai de Pedro. Alguns manuscritos (a maioria dos posteriores, incluindo os mss AB(3) EFGHKMSUVX, Gamma, Delta e Fam Pi) dizem Jonas. Theta assim também diz, embora com variação na forma escrita. Todavia, os manuscritos mais antigos, P(66), P(75), Aleph, BL e a maioria das antigas versões latinas, dizem João. Não parece haver dúvidas que esse seja o texto correto neste evangelho de João. Porém, o texto correto em Mt 16:17, é Jonas. O apócrifo evangelho segundo aos Hebreus diz «João». A passagem de João 21:15,17, uma vez mais, fornece-nos o nome de «João» como o pai de Pedro. Diversas tentativas têm sido feitas para explicar que «João» realmente surgiu como modificação de «Jonas». Alguns eruditos acreditam que «João» surgiu, como nome do progenitor de Pedro, tanto neste evangelho de João como em outras tradições, por causa da helenizaçâo do apelativo hebraico «Jonas», ou então por simples erro de identificação dos dois nomes, por serem tão semelhantes entre si.

Bibliografia R. N. Champlin


O chamado dos primeiros discípulos



O chamado dos primeiros discípulos (1.35-51)

35-37         Este dia seguinte veio após o testemunho de João, registrado nos versículos 29-34. O cuidado com que os dias subsequentes são enumerados nesta parte da narrativa (1.29, 35, 43, 2.1) indica que ela se baseia em pesqui­sas de alguém que participou dos acontecimentos descritos e que trazia grava­da em sua memória, mesmo tanto tempo mais tarde, a sequência detalhada do seu primeiro encontro com Jesus. Na verdade, não há nada contra a ideia de que este participante foi um dos dois discípulos mencionados, cujo nome não é dado. João tinha muitos discípulos; estes dois tornaram-se discípulos de Jesus, mas outros continuaram em companhia de João enquanto ele viveu e alguns, até depois de sua morte, diziam ser seus discípulos. Como no dia anterior, Je­sus foi visto andando após eles, e João chamou a atenção dos seus discípulos para ele, repetindo o título que já lhe tinha dado: o Cordeiro de Deus (veja o versículo 29 AQUI). Ouvindo isto, os dois imediatamente foram atrás de Jesus. (O verbo seguiram está no tempo aoristo, que pode ser tomado como exemplo do aoristo “ingressivo”: “Eles se tornaram seus seguidores”.)

Não sabemos com certeza que reação João esperava que seus discípu­los tivessem às suas palavras, mas eles imediatamente abandonaram seu mestre e apressaram-se para se juntar a Jesus. Certamente eles não compre­enderam a profundidade do significado que leitores modernos veem no título o Cordeiro de Deus; mas é provável que eles tenham entendido que João estava lhes indicando este homem como Aquele que vem, sobre quem falara antes. Não é de admirar, portanto, que eles estavam ansiosos por conhecer mais so­bre ele.

38,39         Jesus sabia muito bem o que eles queriam; a intenção de sua per­gunta era simplesmente dar-lhes uma oportunidade de dizerem o que tinham em mente. O que eles queriam era conhecê-lo, mas afirmar isto poderia parecer presunção; eles se contentaram em perguntar onde ele morava. Trocar algu­mas palavras com ele, parados no caminho, foi bom; serem convidados para acompanhá-lo e ter uma conversa mais tranquila e descontraída foi melhor. O título respeitoso Rabi (literalmente “meu grande”) é traduzido pelo evangelista para que seus leitores gregos pudessem entendê-lo. Durante o primeiro século, ele passou a ser usado em sentido quase técnico para indicar alguém ordenado como professor depois de um curso apropriado de instrução rabínica, mas foi dado a Jesus como título de cortesia pelos que viram nele um mestre enviado por Deus, como o fez Nicodemos (Jo 3.1).

O convite com o qual, talvez, nem se arriscavam a contar foi feito, como ainda é para todos que querem conhecê-lo melhor: Vinde, e vede. Assim, eles foram com Jesus até o lugar onde ele estava hospedado, e ficaram com ele o resto daquele dia (BLH). A hora décima (a contar do nascer do sol) correspon­dia aproximadamente às 16 horas, quando os homens começavam a interrom­per o trabalho do dia (Alguns escritores dizem que João seguiu a contagem “romana”, a começar da meia- noite. Às vezes, Plínio, o Velho, é citado para apoiar este ponto de vista. Todavia, o que Plínio diz é que os romanos (como os egípcios) definiam o dia civil como começando e terminando à meia-noite (História Natural 2.79.188). Eles dividiam o período de luz (da alvorada ao pôr-do-sol) em doze horas, e o período escuro (do pôr-do-sol à alvo­rada) em quatro vigílias. Veja Jo 4.6,52, 19.14.). Não nos foi relatado o que ele lhes disse, mas foi sufi­ciente para convencê-los de que João não se enganara; este era de fato Aquele que vem, o Messias esperado. Notícias tão maravilhosas não podiam ser guar­dadas para si; seus amigos precisavam saber delas.

40-42         Nas décadas cristãs seguintes, o nome de Simão Pedro tornou-se tão conhecido a ponto de André ser chamado aqui de seu irmão, mesmo surgindo antes de Pedro na sequência histórica do evangelista. (O outro discí­pulo não é identificado pelo nome.) A primeira coisa que André fez depois de conhecer Jesus foi buscar seu irmão para que este o conhecesse também. A ARA traduz literalmente seu próprio irmão Simão, dando ao pronome idios todo seu peso clássico; porém, naquela época, idios, quando seguido de substanti­vo, tendia a perder sua ênfase, sendo usado como simples pronome possessi­vo (Veja em At 24.24 outro exemplo do uso “pleno” de idios:Drusila, sua (própria) mu­lher”.). O pronome é enfático no versículo 11, onde aparece duas vezes e não é seguido de substantivo.

André disse: Achamos o Messias. Este adjetivo verbal semita aparece somente neste evangelho no N.T., onde é visto duas vezes - aqui e em 4.25. Nas duas vezes ele é interpretado pelo equivalente grego christos. No A.T. o adjetivo verbal era usado para designar o rei de Israel (o “ungido do Senhor” como em 1 Sm 16.6, etc), o sumo sacerdote (o “sacerdote ungido”, como em Lv 4.3, etc) e uma vez, no plural, para os patriarcas em seu papel de profetas (“meus ungidos”, Sl 105.15). No início da era cristã, a expectativa messiânica concentrava-se no rei, mas no seu cumprimento Jesus provou ser o Messias por excelência, com as três funções: profeta, sacerdote e rei. Não podemos saber com certeza o que André quis dizer com o título Messias nesta altura; sem dúvida seu conceito foi influenciado pelas cores que a esperança de Israel tomava na época. Todavia, quando ele e seus colegas discípulos começaram a conhecer Jesus melhor, seus primeiros conceitos do Messias e de sua ativida­de foram substituídos em suas mentes pelo verdadeiro caráter e ministério de Jesus.

André, pois, trouxe seu irmão a Jesus. Anos mais tarde, quando Simão Pedro fazia obras tão grandiosas em nome de Jesus - em Jerusalém no primei­ro Pentecoste cristão, em Cesaréia quando os gentios pela primeira vez ouvi­ram e creram no evangelho, e em lugares bem mais distantes - André deve ter se lembrado com profunda satisfação daquele dia em que promoveu o encontro entre seu irmão e seu mestre. Ninguém pode prever, ao levar um homem ou uma mulher a Jesus, o que ele fará desta pessoa.

Jesus, por sua vez, viu o que poderia fazer do irmão de André, e deu expressão a seu propósito em sua saudação. Simão Bar-Yohanan, o nome com­pleto pelo qual Simão era conhecido, é abreviado em Mateus 16.17 para “Simão Barjonas” e traduzido aqui por Simão, o filho de João. Com um homem como este, Jesus podia começar a fundar sua nova comunidade. Às vezes, traça-se uma linha entre o novo nome que Jesus dá a Simão e uma antiga parábola rabínica, que explica por que Abraão é chamado de “a rocha” em Isaías 51.1, da qual Israel foi cortado. A história é assim: “Certo rei quis construir um palácio, e seus trabalhadores cavaram fundo para achar um fundamento firme. Depois de cavar por dois longos turnos, fizeram sondagens, mas só acharam argila. Fi­nalmente, porém, eles bateram na rocha (petra), e ele disse: Agora posso fazer um começo” (A parábola foi preservada na coletânea medieval Yatqut Shinf‘ônf (1766). As duas menções mais antigas são do tempo de Enos, quando “se começou a invocar o nome do Senhor” (Gn 4.26), e de Noé, que “achou graça diante do Senhor" (Gn 6.8).).

Tendo ou não algo assim em mente, Jesus saudou Simão como Kepha, uma palavra aramaica que significa “rocha” (A palavra hebraica correspondente êkêph, que é encontrada com o sentido de “rocha” em Jó 30.6 e Jr 4.29.). Era por este nome que Paulo geralmente o chamava, acrescentando um -s final (Cephas) para adaptá-lo à língua grega (veja 1 Co 9.5, Gl 1.18, etc). Com mais frequência, entretanto, a palavra aramaica foi traduzida para a forma grega Petros (como no nosso tex­to). Discussões sobre a possível diferença no significado de petros e petra es­tão fora do assunto aqui; para o nome de um homem era preciso usar a forma masculina Petros, qualquer que fosse o seu significado.

43,44         Parece que André levou seu irmão a Jesus no entardecer do dia, cujos eventos são descritos nos versículos 35-42. Agora, avançamos para o dia seguinte. Mas quem resolveu partir para a Galileia, e encontrou a Filipe ? A primeira resposta que vem à mente é que foi Jesus. Porém, então por que o nome Jesus é inserido antes do próximo verbo, disse, como se houvesse uma mudança de sujeito? (Esta é a sequência no texto grego.) Será que não foram André ou Pedro que acharam Filipe, seu concidadão? (Em Marcos 1.29 fica implícito que, quando Jesus começou seu ministério na Galileia, Pedro e André já tinham fixado residência em Cafarnaum, a ocidente do lago (veja Jo 2.12).). Se foi André, temos um sentido adicional para a palavra “primeiro” no versículo 41; significaria que a primeira pessoa que André encontrou e trouxe a Jesus foi seu irmão Simão e a seguinte, Filipe. Todavia não podemos ter certeza, por causa da ambiguidade formal da linguagem. Pode ser que Jesus, partindo para a Galileia, deparou com Filipe voltando para casa, vindo do lugar na Peréia onde João estava batizando, e o convidou a juntar-se a seus seguidores. Segue-me ou venha comigo (BLH) aparece aqui pela primeira vez neste evangelho; provavelmente devemos reco­nhecer um tom de autoridade na ordem: mão no ombro e as palavras que com­binam com a ação: “Você, venha comigo!”

Moffatt põe as coisas como se Jesus tivesse achado Filipe depois de chegar à Galileia: “No dia seguinte Jesus decidiu ir para a Galileia; ali ele en­controu Filipe e lhe disse: Segue-me”. Mas esta não é a maneira normal de en­tender a narrativa.

Betsaida significa “casa do pescador” ou “cidade dos pescadores”. Ela estava localizada um pouco para o leste do lugar onde o Jordão desemboca no lago da Galileia, talvez perto do lugar em que o porto natural de el-‘Araj ainda existe. Um pouco antes de 2 a.C., o tetrarca Filipe reconstruiu-a (aparentemente incluindo o povoado vizinho agora chamado et-Tell) e chamou-a Julias, em homenagem à filha de Augusto, cujo nome era Júlia. A referência em João 12.21 a “Betsaida da Galileia”, como cidade de Filipe, não indica necessaria­mente a costa ocidental do lago; no uso popular, a Galileia também podia incluir terras a leste do lago. (“Judas, o galileu”, mencionado em At 5.37, na verdade era de Gamala, a leste do lago.)

45.    Assim, o número de seguidores de Jesus foi aumentando neste dia, enquanto pessoas se encontravam e compartilhavam as boas notícias. Os ou­tros discípulos mencionados nestes versículos constam da lista de doze após­tolos dos evangelhos sinóticos; por isso muitos acham que Natanael também está na lista, com o sobrenome Bartolomeu (isto é, filho de Tolomai ou Ptolomeu). Em Mateus 10.3, Marcos 3.18 e Lucas 6.14 Bartolomeu é relacionado com Filipe (entretanto, não em At 1.13).

O que Filipe disse a Natanael significa praticamente a mesma coisa que André disse a Simão (v. 41); só que, em vez de chamar Jesus de Messias, ele o descreve como alguém de quem Moisés e os profetas escreveram. O papel de Jesus como cumpridor das profecias do A.T. é destacado de diversas maneiras neste evangelho. Ele é o profeta de quem Moisés falou em Deuteronômio 18.15-19 (veja o v. 21, acima); ele é o ungido do Senhor, predito pelos profetas, que viria para instituir justiça mundial, paz e o conhecimento e temor do Senhor. Ao referir-se a nosso Senhor como Jesus, o Nazareno, filho de José, Filipe mencionou toda sua identificação normal; ao nome da pessoa acrescentava-se o de seu pai (verdadeiro ou suposto) e de sua cidade natal.

46.    Natanael também era galileu, de Caná (veja Jo 21.2). A forma de sua pergunta deixa transparecer que Nazaré (sobre a qual recai a ênfase) não gozava de boa reputação entre os outros galileus. Não temos outras evidências desta má impressão, mas ela não é surpreendente, já que a cidade era de pou­ca importância. Ela “surgiu no mapa” pelo fato de Jesus ter passado a maior parte de sua vida ali. (A referência judaica mais antiga é uma inscrição escava­da em Cesaréia, em 1962, que alista os lugares na Galileia para onde emigra­ram membros das vinte e quatro ordens sacerdotais depois que uma cidade pagã foi construída no lugar de Jerusalém em 135 d.C.) (Veja M. Avi-Yonah, “The Caesarea Inscription of the Twenty-Four Priestly Courses” em The Teachefs Yoke, ed E. J. Vardaman e J. L. Garrett (Waco, Texas, 1964), pp.46-57. Foi somente do quarto século d.C. em diante que Nazaré passou a ter alguma impor­tância, mas há vestígios de povoação tão antigos quanto a Idade Média do Bronze (en­tre 2000 e 1550 a.C.).). Pessoas que moram no interior sabem como um pequeno povoado pode ter uma péssima fama entre seus vizinhos, sem que se torne conhecido por isto. Seja como for, a pergunta zombeteira de Natanael recebeu a única resposta adequada: Vem, e vê. Infor­mar-se com honestidade é a melhor cura para os preconceitos. Nazaré podia ser tudo o que Natanael pensava, mas há uma exceção que põe à prova toda regra; e que exceção este jovem achou!

47.    Para surpresa de Natanael, Jesus, ao vê-lo, saudou-o como se o conhecesse muito bem. E que elogio Jesus lhe fez! Entendemos melhor o objetivo do elogio da conversa que segue, com sua referência à escada de Jacó. “Vem aí um verdadeiro filho de Israel” podemos parafrasear as palavras de Jesus (NTV), “alguém que é completamente Israel e nem um pouco Jacó”. Seja qual for a etimologia do nome Jacó (Deriva-se de 'ãqeb, “calcanhar”; yaTiqõb significa “ele me ergue pelo calcanhar”, e daf, por extensão, “ele me sobrepuja".), ele é associado tradicionalmente a engano. Quando Isaque disse a Esaú: ‘Veio teu irmão astuciosamente (LXX dolos, a palavra usada aqui por João), e tomou a tua bênção”, Esaú respondeu: “Não é com razão que se chama ele Jacó (heb. ya‘aqõb)? pois já duas vezes me enganou (ya‘acfbêni)" (Gn 27.35s.).

Apesar da fama não invejável de Nazaré, a generosidade transparente do coração de Natanael tornou-o disposto a vir e ver este Nazareno que Filipe di­zia ser aquele predito na lei e nos profetas. Jacó, apesar de toda a astúcia as­sociada a seu nome, recebeu uma visão de Deus que mudou seu caráter, e re­cebeu o nome Israel para marcar esta mudança (Gn 28.10ss. 32.24-28). A pa­lavra Israel, na verdade, é derivada do verbo hebraico sãrãh (“lutar”), mas no primeiro século circulava uma etimologia popular (como podemos ver em Filo de Alexandria) que explicava o nome com a frase em hebraico 'ishtCeh-^l (“o homem que vê Deus”); pode haver aqui uma alusão a esta etimologia, porque Natanael, este membro típico do verdadeiro Israel crente, re­cebe a promessa de que ele e seus companheiros terão uma visão como a que Jacó teve.

48.    Aludindo a algo conhecido somente a Natanael, Jesus lhe fez enten­der que sabia sobre ele muito mais do que poderia imaginar. Nós só podemos supor o significado da figueira. C.F.D. Moule sugeriu que a frase debaixo da fi­gueira indicava “um conhecimento detalhado de onde uma pessoa estava e do que fazia”. Talvez fosse um lugar em que Natanael recentemente estivera meditando e recebera alguma impressão espiritual. É impossível ter certeza.

Certamente, a folhagem fechada da figueira tornava-a adequada para dar som­bra no calor do dia. Era debaixo de uma figueira que Agostinho estava meditan­do quando ouviu a voz cantando: “Levante e leia”! e viu sua alma inundada de luz celestial ao levantar o livro e ler as últimas palavras de Romanos 13 (Agostinho, Confissões 8.29.).

49.    Qualquer dúvida que Natanael ainda tinha desapareceu no mesmo instante. A pessoa que demonstrava um conhecimento tão completo de passos e pensamentos, sem dúvida era aquela para quem as profecias antigas aponta­vam. Ele chama Jesus pelo título de cortesia Rabi (ARC), (Mestre, ARA), mas vai adiante dando-lhe títulos bem mais grandiosos. Na verdade ele o está acla­mando como Messias, usando dois títulos messiânicos que constam do segun­do salmo, onde Deus diz ao rei ungido de Israel, entronizado no monte santo Sião: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Sl 2.6s.). Quando o evangelista es­creveu, a expressão o Filho de Deus tinha um sentido muito mais profundo, mas não precisamos supor que Natanael, num estágio tão inicial de sua carreira como discípulo, tenha querido dizer muito mais do que simplesmente “Rei de Is­rael”; era uma alternativa para indicar o Messias. Todavia, no contexto do relato do evangelho, os dois títulos transmitem ao leitor um significado mais completo do que aquele que Natanael poderia ter-lhes dado.

50,51.        As palavras de Jesus sobre a experiência de Natanael debaixo da figueira demonstraram seu conhecimento sobrenatural, mas Natanael seria confrontado com provas muito mais maravilhosas e conclusivas da verdadeira identidade de Jesus. E não só ele: no versículo 51 a transição da segunda pes­soa do singular para a segunda do plural (vereis) indica que seus colegas te­riam as mesmas experiências.

Ao anunciar umas destas maiores coisas, Jesus pela primeira vez neste evangelho usa sua palavra característica de afirmação solene, Amém (traduzi­da em verdade na ARA e BJ, na verdade na ARC e IBB). Nos evangelhos sinóticos a frase em verdade, em verdade vos digo só tem um amém', a repetição é uma característica joanina, como aqui (A BLH traduz o “Amém" duplo por “eu afirmo”. De acordo com B. Lindars, a expressão é “um sinal repetido de que João faz uso de um dito de Jesus retirado de seu estoque de material tradicional” (Behind the Fourth Gospei, Londres, 1971, p.44).). Amém, em sua origem, é uma palavra hebraica que significa “constante” ou “certo”; da mesma raiz vêm as palavras hebraicas que indicam “fé”, “fidelidade” e “verdade”. Ela era usada na liturgia (veja Sl 41.13, etc.) para expressar a certeza de que uma oração (p. ex. para que o nome de Deus seja glorificado) seria ouvida. Na boca de Jesus ela con­firma a certeza e confiabilidade do que ele diz, e foi preservada sem tradução na igreja de fala grega como sua ipsissima vox, que indica sua autoridade es­pecial.

As palavras que se seguem podem ser um paralelo joanino à predição sinótica do dia em que o Filho do Homem seria manifesto nas nuvens do céu “com grande poder e glória” (Mc 13.26,14.62) (A frase “filho do homem" é uma figura de linguagem hebraica e aramaica que significa simplesmente “um homem”, “um ser humano”. Em aramaico, o idioma que Jesus pa­rece ter falado geralmente, “o Filho do homem” significa simplesmente “o Homem”. Às vezes, Jesus pode ter usado esta expressão em substituição ao pronome “eu” (veja sobre Jo 3.27), mas geralmente um significado mais amplo está implícito. A forma grega ho hyios tou anthrõpou aparece no N.T. somente em referência a Jesus e quase sempre na sua própria boca. Somente uma vez (Jo 5.17) ele a usa sem o duplo artigo definido.). No presente texto a ideia é ti­rada do relato da visão de Jacó em Betel, quando ele viu “posta na terra uma escada, cujo topo atingia o céu; e os anjos de Deus subiam e desciam por ela” (Gn 28.12) (É possível traduzir o hebraico: “...os anjos de Deus subindo e descendo sobre ele (Ja­có)". De acordo com uma tradição rabínica preservada no comentário posterior Genesis Rabba 69.7 (sobre Gn 28.17), a escada de Jacó estava no lugar do futuro templo; isto implica em entender Betel em termos etimológicos (“a casa de Deus”), e não geográfi­cos.). Nesta aplicação da visão de Jacó, no entanto, a ligação entre céu e terra é feita pelo Filho do Homem; ele é o mediador entre Deus e a raça humana (No Sl 8.4 “o filho do homem” (heb. ben "adam) forma um paralelismo sinôni­mo com “homem” (heb. 'êriõsh), e as duas expressões são usadas em termos ge­néricos.). E não só isto: a ocasião para a qual as palavras de Jesus apontam é nada menos que sua crucificação. Em outra oportunidade, mais tarde, ao falar para uma audiência de Jerusalém, ele disse: “Quando levantardes o Filho do homem, então sabereis que eu sou” (Jo 8.28). “Ser levantado” é sua exaltação, apesar de a intenção de seus inimigos ser sua degradação; a cruz é a mani­festação suprema da sua glória. Através da cruz, o céu é amplamente aberto, Deus aproxima-se do ser humano e este é reconciliado com Deus.

O patriarca santo teve um sonho sem igual; assim a cruz do Salvador é escada para o céu.

A identificação Filho do homem parece não ter sido um título costumeiro do Messias ou algum outro personagem escatológico. Por isso, Jesus podia usá-lo para si sem correr o risco de ser mal entendido devido a associações de ideias que pudessem ter influenciado a concepção do seu significado em seus ouvintes. Ele tinha toda a liberdade de assumir a expressão e preenchê-la com o significado que quisesse.
É provável que a expressão tivesse um antecedente veterotestamentário na frase “um como o Filho do homem” (ou seja, um ser parecido com um homem) que, na visão que Daniel teve do dia do julgamento, estava investido de autoridade divina universal (Dn 7.13,14). Jesus enriqueceu-a ao fundi-la com a figura do sofredor justo, retratada aqui e acolá no A.T., não por último nos “Cânticos do Servo” de Isaias 42.1-53.12. Desta maneira ele podia falar do so­frimento do Filho do homem como de algo que estava “escrito” sobre ele. Atra­vés do seu sofrimento e da sua recompensa, Jesus, o Filho do homem, tornou-se o libertador e advogado do seu povo.

Alguns estudiosos dos evangelhos sinóticos distinguem entre passagens que falam do sofrimento do Filho do homem e as que falam da sua vinda em glória. Neste evangelho não há tal distinção; o sofrimento do Filho do homem é ab­sorvido pela glória, de modo que a glória revela-se principalmente no sofrimento (veja Jo 12.23).

Bibliografia F. F. Bruce